O dia 2 de março de 1984 é histórico para o carnaval carioca. Foi nesta data, uma sexta-feira, que a Passarela do Samba Professor Darcy Ribeiro foi inaugurada. O que para muitos era uma obra faraônica impossível de ficar pronta à tempo, se transformou em motivo de orgulho para o então governador Leonel Brizola e seus correligionários. O carnaval carioca finalmente tinha um equipamento público que fazia jus à grandeza dos desfiles das escolas de samba.
Naquela noite de sexta-feira, as 12 agremiações que compunham o chamado Grupo 1-B (que seria equivalente hoje à Série A) desfilaram todas, respeitando à seguinte ordem: Império do Marangá, Arrastão de Cascadura, São Clemente, Engenho da Rainha, Unidos do Jacarezinho, Unidos do Cabuçu, Santa Cruz, Unidos de Bangu, Paraíso do Tuiuti, Lins Imperial, Em Cima da Hora e Unidos de Lucas. Estava previsto que quatro agramiações subiriam para o Grupo 1-A (hoje Grupo Especial) para o carnaval seguinte.
Nos dias que se antecederam à inauguração do Sambódromo a cidade estava tomada por um sentimento de enorme expectativa. Tanto que houve uma verdadeira via sacra na busca por ingressos nos melhores setores para as três noites de desfile. Tal qual acontece até hoje muita confusão e informações desencontradas causaram tumulto em alguns pontos de venda. Dizia o trecho de uma reportagem do Jornal do Brasil de 03 de março de 1984: “O último dia de vendas de ingresso transformou as agências do Banerj no Centro e na Zona Sul em um verdadeiro carnaval. Grupos de turistas com suas camisas floridas e gente de toda parte fizeram uma verdadeira maratona percorrendo agência por agência em busca dos ingressos mais procurados para o desfile do Grupo 1-A , as arquibancadas dos setores 7 e 5, respectivamente Cr$ 45 e 35 mil, para o domingo, que se esgotaram rapidamente”.
Como toda inauguração de alguma obra pública muita politicagem e papagaios de pirata estiveram presentes à solenidade oficial. Todo o secretariado do governador Leonel Brizola esteve presente. O político foi sucinto em seu discurso oficial. – Quero agradecer a todos aqueles que tudo fizeram pela realização desse empreendimento que vai enriquecer nossa cidade. Essa passarela servirá às escolas de samba e às escolas das crianças, prometia na ocasião. Durante o ano o Sambódromo se transformaria em um Ciep (as escolas em tempo integral criadas por Brizola). Hoje, entretanto, as arquibancadas ficam vazias e só são usadas durante o carnaval.
Um belo desfile
A hoje extinta Império do Marangá foi a primeira escola de samba que pisou na nova Passarela do Samba. E o primeiro componente de uma agremiação a tocar o cimento da avenida foi o jovem Leandro Miguel da Silva, então com seis anos. Em entrevista ao Jornal do Brasil, ele disse o que estava sentido naquele momento. – Estou cansado, resumiu. O desfile entretanto foi um desastre. A comissão de frente se apresentou com míseros cinco componentes e o rebaixamento parecia inevitável.
Na sequência veio o Arrastão de Cascadura, que teve como destaques a bateria, e o casal de mestre-sala mirim, Zé Carlos e Ana Paula. A São Clemente se credenciou à disputa do título com um enredo crítico que falava sobre o trânsito, entusiasmando o diretor do Detran à época, Marcelo Reis. A Engenho da Rainha trouxe um enredo sobre o congado, mas passou fria na avenida e não empolgou. Em seguida veio a Unidos do Jacarezinho, que tinha em seu carro abre-alas três cata ventos.
À medida que a noite avançava as agremiações credenciadas ao acesso iam se apresentando. A Unidos do Cabuçu trouxe um enredo biográfico em homenagem a Beth Carvalho, com samba de autoria dos consagrados Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, além de Luiz Carlos da Vila. – Fazer o samba com essas feras foi inesquecível para mim. E olha que eu nem queria topar fazer no início - disse ao CARNAVALESCO o baluarte Iba Nunes, também autor da obra.
Durante o desfile da agremiação de Lins de Vasconcelos um pequeno susto na recém-inaugurada Passarela do Samba. Uma rampa de acesso ao Setor 13 cedeu 4 centímetros, mas sem causar maiores transtornos à época. Algumas pessoas sentiram o afundamento da estrutura e avisaram a PM e os bombeiros. O incidente, entretanto, não atrapalhou o bom andamento da noite de desfiles.
Presidente da Unidos do Cabuçu em 1984, Therezinha Monte recorda que viria no último carro da agremiação, mas por questão de segurança veio no chão. – Com isso eu acabei sem querer inaugurando a era das pessoas que apresentavam a escola. Vim na frente pedindo aplausos. Hoje é comum em qualquer desfile alguém vir à frente da comissão e apresentar a escola - recordou Therezinha em conversa com o CARNAVALESCO.
Depois da bonita e emocionante homenagem à Beth Carvalho feita pela Cabuçu, a Acadêmicos de Santa Cruz também pisou forte na avenida. Organizada, a agremiação da Zona Oeste foi das poucas que conseguiu retirar as alegorias da Praça da Apoteose sem maiores dramas. Segundo o Jornal do Brasil, a Santa Cruz teria gasto em seu desfile “Cr$ 80 milhões”.
A recém “refundada” Unidos de Bangu trouxe uma homenagem a Dodô e Osmar, criadores do trio elétrico, e foi sucedida pela Paraíso do Tuiuti que cruzou a avenida já na manhã clara de sábado, por volta das 9h da manhã. Restavam ainda três agremiações para fechar o primeiro desfile da história do Sambódromo.
A Lins Imperial cruzou a Marquês de Sapucaí desanimada, a Em Cima da Hora trouxe um belo samba para o enredo sobre o ramal de trem de Japeri, mas devido ao fato de o Sambódromo já estar vazio, a escola não empolgou. Coube à Unidos de Lucas a incumbência de fechar a noite, com um enredo sobre os mais variados tipos de dança. Estava finalizada a noite de inauguração do Sambódromo.
Trânsito tumultuado e portões abertos ao público
Algo inimaginável no carnaval de hoje, em que o povo está alijado dos desfiles oficiais, ocorreu na noite de inauguração do Sambódromo. Os portões foram abertos ao público, sem a exigência de ingressos, até as 19h, conforme reportagem do Jornal do Brasil do dia 03 de março de 1984. “Um funcionário da Riotur que tomava conta de uma das roletas do Setor 7 dizia que ‘até as 19h entra todo mundo. Depois só com convite’. Muita gente chegou cedo, antes das 17h já havia uma grande movimentação em torno da Passarela, e subiu as arquibancadas para ter uma visão geral da obra”.
Com tamanha expectativa na cidade em torno da primeira noite oficial do Sambódromo, o carioca enfrentou um velho conhecido antes de poder assistir aos desfiles do Grupo 1-B: o trânsito. “Com o tumulto que se formou a partir do fechamento de ruas do Catumbi para a inauguração da Passarela e o rush de saída do Rio, demorava-se ontem, por volta das 15h, mais de 1 hora para se atravessar a Avenida Mem de Sá, da Lapa à rua do Riachuelo. A impaciência tomava conta dos motoristas que, suando com o calor, saltavam dos carros ou então buzinavam desesperadamente”, frisava a matéria do Jornal do Brasil do dia 03 de março de 1984.
O primeiro desfile do Sambódromo terminou com quatro agremiações ascendendo ao Grupo 1-A no Carnaval 1985: a grande campeã foi a Unidos do Cabuçu, seguida de Acadêmicos da Santa Cruz, São Clemente e Em Cima da Hora. Império do Marangá e Paraíso do Tuiuti acabaram rebaixadas para o Grupo 2-A. E o sambista tinha uma casa para verdadeiramente chamar de sua.
FONTE: CARNAVALESCO
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