O desenvolvimento do enredo é fator fundamental para o sucesso para obter nota 10. Em bate-papo mediado pelo Site CARNAVALESCO,
durante a feira Carnavália-Sambacon, o carnavalesco, comentarista, e
apresentador do prêmio Estrela do Carnaval, Milton Cunha, e Gustavo
Melo, diretor cultural do Salgueiro, explicaram como abordar em um
desfile uma ideia que seja carnavalizada.
- O desfile é uma estrutura de narração. Tem ala, ala, carro, ala,
ala, carro. Respeitem a escola de samba, porque ela coloca uma narrativa
de cultura no desfile. Essa narrativa tem que estar dentro da
carnavalização do mundo. São os pressupostos de que estamos no terreno
da fantasia: coelho fala, homem vira mulher, preto vira branco.
- O enredo nota 10 é aquele com uma narrativa que te prende, te
diverte, mas que também te envolve. Tem que ter coerência e linha
narrativa. Tem que te tirar do plano do real e fazer você viajar. Eu vi o
desfile de ratos e urubus várias vezes e sempre vejo algo diferente. É
uma polissemia absurda. É muito rico. O enredo nota dez traz boas
perspectivas e te instiga. - disse Gustavo.
Milton ainda completou que a criatividade é indispensável. Nas
palavras dele, "na avenida, um mendigo não pode ser um mendigo. Tem que
ter o ponto de vista artístico, tem que envolver".
IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE PESQUISA
Em seguida, os convidados falaram sobre a importância da pesquisa
para o desenvolvimento do enredo. Eles disseram que é preciso que o
enredo venha acompanhado de uma pesquisa minuciosa, bem feita, e que a
sinopse se baseia nessa pesquisa e que seja bem amarrada, mas alertaram
que o enredo não pode se fechar na pesquisa.
- Tem que ir mais além que a pesquisa histórica. Tem que ter ângulo
de visão, ser bem costurado. Como o maior de todos fazia: Joãozinho
Trinta. Um bom carnavalesco é um bom narrador. Não podemos perder o
delírio do devaneio - disse Milton.
- Trabalhar com o Renato Lage é ótimo. Ele nos permite entrar na
pesquisa com ele. Fizemos enredos juntos mais de uma vez, este é o nosso
décimo primeiro ano com ele, e a partir daí houve uma ruptura de 3 anos
por um pedido da escola, mas voltamos em 2016 - explicou Gustavo.
- Por isso que o departamento cultural do Salgueiro cumpre bem isso,
tanto o lado de preservar a memória, quanto o talento de pesquisa por
outra vertente, de auxiliar na construção do enredo. É uma dificuldade,
mas o mesmo departamento cultural faz um trabalho de museologia, mas
também tem uma "libertação artística", e eles sempre colocam o Renato e a
Márcia munidos de tudo é possível. O enredo tem que sonhar e deixar
janelas pra você ir embora. Não pode ser fechado. Boa pesquisa faz
diferença para o carnavalesco - explicou Milton.
A DIVINA COMÉDIA DO CARNAVAL
Gustavo aproveitou para falar do enredo de 2017 do Salgueiro. "A
Divina Comédia do Carnaval" se baseia na obra de Dante Alighieri. Ele
explicou como o trabalho de pesquisa do departamento cultural foi
crucial para fazerem uma boa sinopse e como ajuda para o desenvolvimento
do carnaval.
- A Divina Comédia é uma grande alegoria. É uma ideia do Renato e da
Márcia, e nasceu nos 450 anos do Rio. Eles queriam falar do "Rio beleza e
caos", mas trouxemos isso pro carnaval. A história do Carnaval dentro
da Sapucaí estava faltando nesse enredo, e trouxemos agora. Aí entra a
parte nossa de pesquisa, e eu me aprofundei na Divina Comédia do Dante, e
é uma obra muito difícil porque tem muita referência da época, da
mitologia, e ele traz isso, ele recupera esses elementos. A mensagem é
muito cristã, até meio católica demais, e nós pegamos a estrutura entre
inferno, purgatório e paraíso e recheamos isso com manifestações
carnavalescas, sob a influência do Joãozinho Trinta. Nós vamos
homenagear também a Santíssima Trindade do samba: Pamplona, Arlindo e
Joãozinho Trinta - contou Gustavo.
- Sofrimento e prazer na Divina Comédia caminham juntos. É igual
colocar um carnaval na avenida, porque os gringos olham pra gente e
pensam: como que a gente consegue colocar isso na avenida? Isso é a
Divina Comédia: do inferno ao ceu. Quando falta cinco minutos para
entrar na avenida, a gente pensa: o que eu estou fazendo aqui? Tem tudo
para dar errado - afirmou Milton.
Gustavo explicou ainda que o enredo tem um viés religioso, e que o Salgueiro teve o trabalho de colocar no meio disso a alegria, o "delírio".
Gustavo explicou ainda que o enredo tem um viés religioso, e que o Salgueiro teve o trabalho de colocar no meio disso a alegria, o "delírio".
OS DOIS LADOS DA MOEDA DA FALTA DE DINHEIRO
Milton e Gustavo debateram ainda a necessidade de que o carnavalesco
seja extremamente criativo, especialmente quando há falta de dinheiro.
Cunha exemplificou isso citando a própria trajetória no Carnaval.
- Na Tijuca, faltava dinheiro, mas não faltava apoio do presidente
Horta. Era um saco a falta de dinheiro, mas nunca faltou apoio. Eu saí
da Beija-Flor justamente porque não podia fazer enredo afro. Fatumbi é
um que eu queria fazer e eles não deixaram, e eu saí para desenvolver
esse carnaval na Ilha - citou Milton.
- Às vezes, um bom enredo não se prova na avenida porque faltou
dinheiro, ou o samba não casou; enfim, tudo tem que casar. É um
conjunto. Se a escola não comprar a ideia, não leva a lugar nenhum; o
maior problema é justamente quando ele não leva a lugar nenhum -
explicou Gustavo.
Os convidados destacaram a necessidade de um desfile entreter,
divertir, mas ser crítico, levar a reflexão, de forma que as pessoas
viagem, aprendam, se divirtam, e que aquele momento único seja
proveitoso. Segundo Milton, fazer isso esse enredo crítico e
contextualizá-lo com a atualidade brasileira é uma necessidade e um
desafio.
- Se o boi da cara preta tiver a cara preta, eu me canso. A caravela
do Pedro Álvares Cabral, por exemplo, eu já vi na avenida. Isso eu não
quero ver. Tem que ter algo novo, porque ela já entrou várias vezes
igual - disse ele. A maior "enredista" da atualidade é Rosa Magalhães.
No Onisuáquimalipans, ela vai fazer todos os setores da França e, no
fim, ela diz: qualquer semelhança com a atualidade brasileira é mera
coincidência. Ela, numa única frase, depois de várias outras da sinopse,
faz a ponte que faltava com a brasilidade.
INOVAÇÃO
Na sequência, Milton e Gustavo conversaram sobre criatividade,
explicitando como é crucial para todos os envolvidos com carnaval levar
para a avenida a novidade, a beleza e a inovação.
- Em teoria, ninguém é nota 10 porque se faltar algo, a escola vai
perder ponto. Tudo é imprevisível - explica Milton. É preciso inovar,
ser críticos. Tem uma centena de temas na fila esperando serem
desenvolvidos: tem que falar de gay, de homofobia, de temas da
atualidade, mas ninguém fala porque não tem patrocínio.
- Deveria ter um enredo chamado "pertinência", porque tem enredo que não é pertinente - completou Gustavo.
- É isso. Falta pensador, criador, gente que possa propor novas saídas - concluiu Milton.
A DIRETORIA
Durante a conversa no stand do CARNAVALESCO, os
convidados também fizeram críticas das diretorias das escolas, dizendo o
que é necessário que elas façam, o que não pode faltar nas escolas, e
deram suas sugestões para um melhor desenvolvimentos dos desfiles.
- O presidente não pode estar alheio ao trabalho do carnavalesco e
nem atrapalhar o desenvolvimento do carnaval. Ele não pode cortar a
criatividade - afirmou Gustavo.
- Está cheio de carnavalesco sem preparação, que não pensa. O
carnavalesco vai lá e pensa, depois diz o que pode, o que não pode. Um
carnavalesco não pode estar longe do pesquisador nunca. Eles precisam
trabalhar juntos - explicou Cunha. Têm vários que são meros
"enfeitadores", mas não pensadores, criadores. Eles não podem trabalhar
apartados do pesquisador e do presidente.
- Por isso que o pesquisador tem que estar ligado ao diretor
artístico. O diretor tem que ser ligado ao carnavalesco e não ao
presidente - afirmou Gustavo.
O ENREDO COMO ELEMENTO DE TRABALHO DOS COMPOSITORES
Milton Cunha e Gustavo Melo também falaram da sinopse e como ela é
crucial para o desenvolvimento dos sambas. Segundo Gustavo, "o
compositor tem que abraçar o enredo e se emocionar para que ele se
envolva". Ele afirmou ainda que, para que o compositor se envolva de
corpo e alma, ele tem que ser tocado pelo enredo.
- A gente precisa encontrar o tom certo. Além da pesquisa, tem que
ter um tom ideal a ser descoberto. No Salgueiro para 2017, nós fizemos
quatro sinopses, e uma delas era toda escrita em tercetos, como Dante
escreveu A Divina Comédia, mas não emocionava, e os carnavalescos
falaram assim: o compositor não vai entender isso. Tem que emocionar
eles e não nós - contou ele.
- É isso. Você tem que encontrar o sentimento, tem que tocar o
coração especialmente dos compositores - explicou Milton. Tem que ter
poesia, sentimento, para que ele vá para casa e volte com uma obra
prima.
FONTE: CARNAVALESCO
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